O Arcanjo Miguel pode ser identificado como Jesus Cristo?

Faixa de seção
O Arcanjo Miguel pode ser identificado como Jesus Cristo

Introdução

A identidade do Arcanjo Miguel é uma questão que tem gerado debates entre os estudiosos da Bíblia por séculos. Para alguns, Miguel é apenas um anjo, uma criatura celestial. Para outros, especialmente dentro do adventismo, Miguel é uma manifestação de Jesus Cristo, o Filho de Deus, antes de sua encarnação.

Neste artigo, aprofundaremos a análise sobre as evidências bíblicas que sustentam a crença de que Miguel, o Arcanjo, é, de fato, Cristo.

Não só vamos desconstruir os principais argumentos contrários, como também faremos um apanhado detalhado de como teólogos respeitados, ao longo da história cristã, compartilharam essa visão. O objetivo é oferecer uma resposta robusta e articulada a essa importante questão teológica.

Introdução à Controvérsia: Quem é o Arcanjo Miguel?

A figura do Arcanjo Miguel aparece de maneira central em várias passagens da Bíblia, especialmente no livro de Daniel, na Epístola de Judas e no Apocalipse. Miguel é descrito como um grande líder das hostes celestiais, um defensor do povo de Deus, e em algumas passagens, vemos sua posição em confrontos diretos contra Satanás, o adversário do Senhor.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia acredita que Miguel seja uma manifestação de Jesus Cristo, uma crença que, ao contrário do que muitos críticos sugerem, não é exclusiva aos adventistas. De fato, vários teólogos de diferentes épocas e tradições protestantes concordaram com essa identificação.

A Interpretação Adventista e a Tradição Cristã

É importante ressaltar, desde o início, que a interpretação adventista sobre o Arcanjo Miguel não se baseia nos escritos de Ellen White, mas na própria Bíblia. Ellen White reafirmou uma compreensão que já existia entre vários teólogos reformados e puritanos séculos antes dela. Nomes como Matthew Henry, João Calvino, Ernst Wilhelm Hengstenberg e Charles Spurgeon defenderam essa visão, conforme veremos mais adiante.

Agora, vamos examinar e responder os principais argumentos contrários à identificação de Miguel como Cristo.

Argumento 1: “Miguel é Príncipe, e Jesus é Rei”

Um dos argumentos mais comuns contra a identificação de Miguel como Cristo é a distinção entre os títulos de “príncipe” e “rei”. Alguns críticos afirmam que Jesus, sendo o “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Apocalipse 19:16), não poderia ser comparado a Miguel, que é chamado de “grande príncipe” em Daniel 10:13 e 12:1.

Análise Bíblica do Título de Príncipe

Este argumento, porém, revela uma falta de compreensão do uso dos títulos na Bíblia. Vejamos alguns exemplos de como o termo “príncipe” é atribuído ao próprio Jesus Cristo. Em Isaías 9:6, uma das mais conhecidas profecias messiânicas, Jesus é chamado de “Príncipe da Paz”. O texto diz:

“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Isaías 9:6).

Mais uma vez, o título “príncipe” é claramente associado ao Messias, demonstrando que ele não é exclusivo de figuras subordinadas. Em Atos 3:15, o apóstolo Pedro refere-se a Jesus como o “Príncipe da vida”:

“E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas” (Atos 3:15).

Essa mesma nomenclatura é usada em Atos 5:31, onde Jesus é descrito como o “Príncipe e Salvador” exaltado pela destra de Deus.

O Contexto de Daniel e o Título de Príncipe

A menção a Miguel como “o grande príncipe” em Daniel 12:1 também não sugere que ele seja um ser inferior. O contexto do livro de Daniel trata das batalhas espirituais nos céus, e o título de “príncipe” refere-se ao papel de liderança e proteção que Miguel desempenha em favor do povo de Deus. Portanto, longe de diminuir sua autoridade, o título de príncipe reafirma seu papel como o principal defensor do povo de Deus, função que Cristo desempenha ao longo das Escrituras.

Conclusão: O argumento de que Miguel não pode ser Jesus porque ele é chamado de “príncipe” é infundado. A Bíblia, em várias passagens, aplica o título de “príncipe” ao próprio Jesus, reforçando sua posição de liderança espiritual sobre o povo de Deus.

Argumento 2: “Miguel é um anjo, e Jesus é o Criador”

Outro argumento amplamente utilizado é a ideia de que Miguel, sendo um arcanjo, não pode ser Jesus, pois os anjos são criaturas, enquanto Jesus é o Criador, conforme afirma Colossenses 1:16: “Pois nele foram criadas todas as coisas…”.

A Natureza de Miguel como Anjo

Esse argumento, no entanto, depende de uma compreensão equivocada do termo “anjo”. Na Bíblia, “anjo” não necessariamente se refere a uma criatura, mas sim a um mensageiro ou alguém que desempenha um papel de comunicação e intercessão entre Deus e a humanidade. O termo “anjo” (do hebraico malach e do grego ángelos) significa, literalmente, “mensageiro”. Em várias passagens do Antigo Testamento, o “Anjo do Senhor” é identificado como uma teofania — uma manifestação divina.

Por exemplo, em Êxodo 3:2-6, quando Deus aparece a Moisés na sarça ardente, o texto começa dizendo que “o Anjo do Senhor” apareceu a ele. Porém, logo em seguida, é o próprio Deus quem fala com Moisés. Aqui, a figura do “Anjo do Senhor” é claramente identificada com o próprio Deus.

Outro exemplo é Gênesis 22:15-16, onde lemos:

“Então o Anjo do Senhor bradou a Abraão pela segunda vez desde os céus e disse: Jurei por mim mesmo, diz o Senhor, porquanto fizeste isso e não me negaste o teu filho…”

Aqui, o Anjo do Senhor fala como Deus, jurando por si mesmo, o que só Deus poderia fazer. Esse Anjo é uma manifestação divina, não uma simples criatura.

Miguel e o Comando dos Exércitos Celestiais

A identificação de Miguel como o líder das hostes celestiais, descrito em Apocalipse 12:7 como aquele que comanda a batalha contra Satanás, é consistente com a descrição de Jesus como o comandante supremo dos exércitos de Deus. Em várias passagens, Cristo é descrito como o líder dos anjos, tanto em seu papel pré-encarnado quanto pós-ressurreição.

Um exemplo importante é encontrado em 1 Tessalonicenses 4:16, onde a segunda vinda de Cristo é anunciada pela “voz do arcanjo”:

“Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro” (1 Tessalonicenses 4:16).

Este texto associa diretamente a voz do arcanjo à voz de Jesus. Em João 5:25, Jesus declara que “vem a hora em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão”. Assim, a “voz do arcanjo” em 1 Tessalonicenses é claramente a voz de Cristo, o que reforça a identificação de Miguel como sendo o próprio Senhor Jesus.

Conclusão: O fato de Miguel ser chamado de “arcanjo” não sugere que ele seja uma criatura. Ao contrário, a função de arcanjo indica sua posição de liderança sobre os anjos, uma função que o próprio Cristo desempenha nas Escrituras.

Argumento 3: “Miguel não tem autoridade própria para repreender Satanás”

Um dos argumentos mais intrigantes é baseado em Judas 9, onde Miguel, disputando com Satanás sobre o corpo de Moisés, diz: “O Senhor te repreenda!”. Críticos alegam que, se Miguel fosse Jesus, ele diria: “Eu te repreendo”, demonstrando assim sua autoridade pessoal.

Análise do Texto de Judas 9 e Zacarias 3

Este argumento, no entanto, não leva em consideração o contexto bíblico mais amplo e ignora um padrão importante nas Escrituras. Em Zacarias 3:2, encontramos uma situação paralela:

“Mas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te repreende, ó Satanás…” (Zacarias 3:2)

Neste caso, é o próprio Deus quem usa a expressão “O Senhor te repreenda”, revelando que essa frase não é uma limitação de autoridade, mas uma forma de reafirmar a supremacia de Deus em relação a Satanás. De fato, o “Anjo do Senhor” que fala em Zacarias 3:1 é amplamente reconhecido como uma teofania, ou seja, uma manifestação de Cristo antes de sua encarnação.

O fato de Miguel usar a expressão “O Senhor te repreenda” em Judas 9 está em plena consonância com a forma como o próprio Deus age em Zacarias 3. Esse padrão reforça a humildade e a submissão de Cristo ao Pai, algo que é evidente em muitos momentos da vida de Jesus, mesmo em seu ministério terrestre.

Conclusão: A frase “O Senhor te repreenda” não é um sinal de fraqueza ou inferioridade, mas uma demonstração da harmonia e submissão de Cristo ao Pai, sem que isso comprometa sua autoridade divina. Judas 9, portanto, está em perfeita sintonia com a identificação de Miguel como Cristo.

Argumento 4: “A Doutrina de Miguel como Jesus é Baseada em Ellen White”

Alguns críticos afirmam que a identificação de Miguel como Jesus é uma invenção adventista, baseada nos escritos de Ellen White, e não nas Escrituras.

Respostas Históricas e Teológicas

Matthew Henry, comentarista presbiteriano do século XVII, afirmou: “Miguel significa ‘quem é semelhante a Deus’, e seu nome, com o título de ‘grande príncipe’, aponta para o Divino Salvador. Cristo representou os filhos do nosso povo como sacrifício, suportando a maldição por eles e removendo-a. Ele os representa ao interceder por eles no trono da graça. Após a destruição do anticristo, o Senhor Jesus se levantará no último dia sobre a Terra e aparecerá para a redenção completa de todo o seu povo.” (Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible: Complete and Unabridged in One Volume, Peabody: Hendrickson, 1996, Dt. 34:5).

João Calvino, um dos grandes teólogos da Reforma, também expressou a opinião de que Miguel se refere a Cristo, dizendo: “Como dissemos antes, Miguel pode significar um anjo, mas eu concordo com aqueles que entendem que se refere à pessoa de Cristo, pois essa interpretação se adapta melhor ao contexto, ao retratá-lo como o defensor de seu povo eleito.” (John Calvin, Commentary on Daniel, Vol. 2, Lecture Sixty-Five).

Ernst Wilhelm Hengstenberg, outro renomado teólogo, reforçou essa visão ao afirmar: “As duas passagens do Novo Testamento em que Miguel é mencionado confirmam que Miguel ali referido não é outro senão o Logos, como já foi provado em meu comentário sobre essa passagem.” (Christology of the Old Testament and a Commentary on the Messianic Predictions, Appendix III, p. 304 em diante).

Charles Spurgeon, o célebre pregador batista, também identificou Miguel como sendo Jesus, declarando: “Que o Senhor Jesus Cristo seja para sempre querido por nós, pois através dele somos levados a nos assentar nos lugares celestiais, muito acima dos principados e potestades. Ele está acampado ao redor dos que o temem; Ele é o verdadeiro Miguel, cujo pé está sobre o dragão. Todos saúdem Jesus, Tu, anjo da presença de Jeová! A Ti esta família oferece seus votos de manhã e de noite.” (Charles Spurgeon, Morning and Evening Daily Readings, p. 556, Devocional Matinal de 3 de outubro sobre Hebreus 1:14).

Além desses teólogos, encontramos referências semelhantes em obras de Joseph Benson, John Gill, John Wesley, Jonathan Edwards, entre outros. Esses estudiosos, pertencentes a diferentes tradições cristãs, reconheceram que a figura de Miguel nas Escrituras é uma representação de Cristo em sua função de defensor do povo de Deus.

Portanto, a doutrina de que Miguel é Jesus não é uma inovação adventista, mas uma interpretação profundamente enraizada na história do pensamento cristão, especialmente entre teólogos reformados e puritanos.

Conclusão: A ideia de que a identificação de Miguel com Jesus se baseia exclusivamente nos escritos de Ellen White é insustentável. Muitos teólogos, muito antes de Ellen White, defenderam essa visão com base nas Escrituras.

Conclusão Geral

Ao longo deste artigo, vimos que os argumentos contrários à identificação de Miguel como sendo Jesus Cristo carecem de base sólida. As Escrituras apresentam evidências claras de que Miguel, o Príncipe das Hostes Celestiais, é uma manifestação de Cristo, o Filho de Deus, antes de sua encarnação.

Teólogos de diversas tradições cristãs, como Matthew Henry, João CalvinoErnst Wilhelm Hengstenberg Charles Spurgeon e outros, concordaram com essa visão, demonstrando que ela não é exclusiva dos adventistas. O título de “príncipe”, a função de Miguel como líder dos anjos, e sua autoridade em batalhas espirituais estão em perfeita harmonia com a identidade de Jesus como o Comandante Supremo das hostes celestiais.

A Bíblia é clara: Cristo é tanto o Salvador quanto o Defensor do povo de Deus, e sua voz, como a do arcanjo Miguel, é a que desperta os mortos e traz a vitória final sobre Satanás. Que possamos, portanto, reconhecer e louvar a grandeza de Cristo em sua plenitude, como nosso Salvador, Rei, e nosso Deus.


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Amós Bailiot

Sou um estudante de História na Universidade Estácio de Sá e um entusiasta em Teologia. Acredito que o conhecimento é valioso apenas quando compartilhado. É por isso que estou aqui, disposto a compartilhar minhas reflexões teológicas. Junte-se a mim nessa jornada!

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Amós Bailiot

Graduando em História pela Universidade Estácio de Sá e estudioso de Teologia, defende a premissa de que o conhecimento se torna verdadeiramente valioso quando compartilhado. Junte-se a mim nessa jornada!

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