Deus se arrepende? A Resposta Definitiva

Faixa de seção
Deus se arrepende

Entre os temas mais intrigantes da teologia bíblica, poucos despertam tanta discussão quanto a pergunta: “Deus se arrepende?”. À primeira vista, a própria Escritura parece apresentar duas declarações irreconciliáveis. Em algumas passagens, Deus é descrito como absolutamente constante, incapaz de mentir, mudar ou arrepender-se como os homens. Em outras, o texto afirma que Deus lamentou, voltou atrás ou suspendeu um juízo diante de circunstâncias humanas.

Para o leitor desavisado, isso parece uma contradição explícita. Contudo, uma análise cuidadosa do hebraico bíblico, do contexto literário e da teologia bíblica demonstra que não há qualquer incoerência. O que encontramos é um Deus que é simultaneamente imutável em Seu caráter e relacional em Suas ações. Esta tensão aparente é, na verdade, um dos fundamentos mais sublimes da revelação bíblica.

As passagens que afirmam que Deus não se arrepende

A Bíblia é explícita ao declarar a imutabilidade divina, isto é, a constância absoluta do caráter de Deus. Em textos fundamentais da revelação, lemos:

  • Números 23:19 — “Deus não é homem para que minta; nem filho de homem para que se arrependa.”
  • 1 Samuel 15:29 — “Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende.”
  • Salmo 110:4 — “O Senhor jurou e não se arrependerá.”
  • Ezequiel 24:14 — “Eu, o Senhor, falei; isto acontecerá; não tornarei atrás.”

Essas declarações são inequívocas. Elas afirmam que:

  • Deus não muda de caráter.
  • Deus não é surpreendido por eventos.
  • Deus não toma decisões que depois reconhece como equivocadas.
  • Deus não opera segundo impulsos, instabilidade emocional ou ignorância.

Assim, o arrependimento humano — derivado de erro, ignorância ou imperfeição moral — não é aplicável a Deus.

No entanto…

As passagens que afirmam que Deus se arrepende

O mesmo Antigo Testamento apresenta afirmações como:

  • Gênesis 6:6–7 — “Então se arrependeu o Senhor de ter feito o homem.”
  • Êxodo 32:14 — “Então o Senhor se arrependeu do mal que dissera que faria ao povo.”
  • 1 Samuel 15:11 — “Arrependo-me de haver posto Saul como rei.”
  • Jonas 3:10 — Deus suspende o juízo contra Nínive.
  • Amós 7:3,6 — “O Senhor se arrependeu disso. Não acontecerá.”

A princípio, isso parece contradizer as declarações anteriores. E agora? Como harmonizar os dois conjuntos? A solução exige compreender a semântica dos verbos hebraicos traduzidos como “arrepender”.

Dois verbos hebraicos, dois sentidos distintos de “arrependimento”

A versão portuguesa emprega o mesmo termo — arrependimento — para contextos muito diferentes. O hebraico, porém, distingue nuances fundamentais.

1. O verbo nāḥam (נָחַם)

Este é o verbo mais frequente nas passagens que afirmam que Deus “se arrependeu”. Seus sentidos principais incluem:

  • lamentar,
  • compadecer-se,
  • entristecer-se profundamente,
  • suspirar,
  • reconsiderar uma ação à luz de um novo cenário.

nāḥam não envolve a ideia de erro prévio. Trata-se de um “arrependimento” emotivo, compassivo, relacional. Expressa dor diante do pecado humano ou misericórdia diante da mudança humana, não falha ou ignorância divina.

Ele aparece em:

  • Gênesis 6:6 (Dilúvio),
  • Êxodo 32:14 (bezerro de ouro),
  • 1 Samuel 15:11 (rejeição de Saul),
  • Amós 7:3,6 (visões de juízo).

Em todas essas ocasiões, Deus está reagindo dentro da relação pactual, não corrigindo falhas.

2. O verbo šûv (שׁוּב)

Um segundo verbo, menos perceptível em português, também aparece em contextos de arrependimento divino. Seu sentido é primordialmente:

  • retornar,
  • voltar atrás,
  • suspender ou reverter um juízo anunciado.

É o verbo usado em Jonas 3:10, quando Deus “volta atrás” do juízo contra Nínive. Nesse caso, o foco não está no sentimento, mas no ajuste da ação de Deus diante da mudança moral dos ninivitas.

Aqui não há qualquer oscilação no caráter divino. Há, sim, uma alteração na forma como Deus aplica Sua justiça quando o ser humano muda de comportamento. Ou seja, em passagens como essa — ou semelhantes — nas quais são feitas promessas de juízos ou bênçãos, Deus as apresenta de modo condicional.

No caso dos ninivitas, se eles se arrependessem de sua vida pecaminosa, não seriam destruídos. E, de fato, eles se arrependeram. Por isso Deus se “arrependeu” (šûv), isto é, suspendeu o juízo previamente anunciado.

Nada disso tem relação com um arrependimento como o nosso — fruto de erro, engano ou escolha equivocada — características próprias de seres humanos falhos. Trata-se, antes, da resposta justa e compassiva de Deus diante da mudança moral de uma nação.

Então, Deus se arrepende ou não?

A resposta é não! Deus não se arrepende como um ser humano se arrepende; esse conceito não é aplicável a Ele. À luz da análise que fizemos, podemos afirmar e conciliar com precisão as expressões “Deus se arrependeu” e “Deus não se arrepende” da seguinte forma:

Quando a Bíblia diz que Deus “não se arrepende”, significa:
  • Deus não erra.
  • Deus não muda de essência.
  • Deus não retrocede por decisões equivocadas.
  • Deus é absolutamente coerente consigo mesmo.
  • Deus não age como seres humanos volúveis.
Quando a Bíblia diz que Deus “se arrepende”, significa:
  • Deus lamenta o pecado humano (nāḥam).
  • Deus suspende um juízo mediante arrependimento humano (šûv).
  • Deus se envolve com a história de forma relacional.
  • Deus responde moralmente às escolhas humanas.

Não existe contradição. O que há é uma limitação na tradução para o nosso idioma em transmitir as nuances presentes nos dois termos hebraicos traduzidos como “arrepender”: nāḥam e šûv. Essa limitação frequentemente gera a falsa impressão de que Deus se arrepende como se tivesse cometido um erro — algo impossível. Sendo Deus onisciente, Ele jamais poderia errar; isso seria inconcebível.

Dessa forma, encontramos duas linguagens diferentes aplicadas ao mesmo Deus:

  • Ontológica: descreve Sua essência imutável.
  • Relacional: descreve Sua interação dinâmica com o mundo.

Compreendeu? Tudo se torna mais claro quando evitamos isolar textos e interpretá-los de forma desconectada do restante da revelação. A teologia bíblica exige harmonização, não antagonismo. Além disso, grande parte das dificuldades interpretativas nesse e em outros temas decorre do desconhecimento de que a Bíblia utiliza antropomorfismos e antropopatismos, isto é, expressões humanas aplicadas a Deus.

A Escritura fala de Deus dizendo:

  • “Deus cheirou o sacrifício”,
  • “Deus se entristeceu”,
  • “Deus se arrependeu”,
  • “Deus ouviu” ou “viu”,
  • “Deus se irou”.

Essas expressões não descrevem limitações divinas, mas representam formas pedagógicas de comunicar realidades transcendentais em linguagem acessível ao ser humano.

Portanto, o Deus da Bíblia é imutável em quem Ele é, mas intensamente relacional em como Ele age. Ele é o mesmo sempre — e justamente por isso responde ao ser humano com perfeita justiça e perfeita misericórdia. Assim, a chave para compreender temas como este requer a observância de alguns princípios:

  • orar pedindo a Deus iluminação para a compreensão,
  • respeitar o hebraico original,
  • considerar o contexto histórico-literário,
  • evitar leituras fragmentadas,
  • buscar maturidade teológica.

Espero que este tema tenha sido esclarecido para você, e que fique evidente que não há contradição na Palavra de Deus. Há profundidade!

Que Deus o abençoe!


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Amós Bailiot

Sou um estudante de História na Universidade Estácio de Sá e um entusiasta em Teologia. Acredito que o conhecimento é valioso apenas quando compartilhado. É por isso que estou aqui, disposto a compartilhar minhas reflexões teológicas. Junte-se a mim nessa jornada!

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Amós Bailiot

Graduando em História pela Universidade Estácio de Sá e estudioso de Teologia, defende a premissa de que o conhecimento se torna verdadeiramente valioso quando compartilhado. Junte-se a mim nessa jornada!

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