
A recente tensão entre Israel e Irã tem levado muitos cristãos sinceros a crer que estamos testemunhando o cumprimento da profecia de Ezequiel 38 e 39 — a famosa passagem sobre Gogue e Magogue. Mas será que essa interpretação realmente se sustenta à luz da Bíblia? Convido você a ler até o fim, pois vamos verificar juntos o que as Escrituras realmente dizem e aprender a interpretá-las pela própria Bíblia.
Por que relacionam Gogue e Magogue com Israel e Irã?
A associação tem origem em Ezequiel 38 e 39, onde é descrita uma coalizão de nações que se unirá contra Israel. Em Ezequiel 38:2, 5 e 6, sete nações são mencionadas como aliadas de Gogue: Mezeque, Tubal, Pérsia (atual Irã), Etiópia, Pute (ou Líbia), Gômer e Togarma. Esses nomes representavam, no mundo antigo, os extremos do norte e do sul em relação a Israel.
Aqui está o “segredo” da interpretação popular: por incluir a Pérsia (atual Irã) e por Gogue vir “do extremo norte”, muitos associam Gogue à Rússia e seus aliados. Assim, Irã e Rússia formariam uma aliança profetizada, que atacaria Israel num período de aparente paz, ao fim do qual Deus interviria com juízo divino.
Essa leitura se apoia também na expressão “nos últimos dias”, mencionada em Ezequiel 38:16. No entanto, é preciso ir além da superfície e examinar o próprio texto bíblico com mais atenção.
Quem são Gogue e Magogue segundo Ezequiel?
No início do capítulo 38, Gogue é apresentado como o príncipe de Rôs, Mezeque e Tubal, governante de Magogue, e descrito como inimigo de Israel. Ezequiel é chamado a profetizar contra esse líder e seu exército. As nações mencionadas têm raízes em Gênesis 10 e em Ezequiel 27, compondo uma representação simbólica de uma conspiração global contra o povo de Deus.
Em Ezequiel 39:23 e nos versículos 25 a 27, vemos que essa profecia se cumpriria quando Israel estivesse vivendo em paz e segurança, livre de ameaças. No entanto, sabemos que o atual Estado de Israel não vive em paz e enfrenta constantes conflitos. Portanto, aplicar literalmente essa profecia aos nossos dias é problemático.
Gogue: um inimigo misterioso com um significado maior
Alguns comentaristas reconhecem que Gogue permanece uma figura misteriosa, e que Deus não nos revelou detalhes históricos exatos sobre ele. Particularmente, entendo que isso se deve à intenção divina de nos levar a buscar um significado mais profundo, revelado posteriormente no Novo Testamento — especialmente no livro do Apocalipse.
Jesus usou o método de interpretar as Escrituras com as próprias Escrituras (Lucas 24:27, 44), e esse princípio deve guiar também a nossa leitura. Portanto, ao buscarmos uma interpretação fiel de Ezequiel 38 e 39, devemos observar como um profeta inspirado, o apóstolo João, entendeu e aplicou essa profecia.
Como João interpretou Gogue e Magogue?
Ao contrário das interpretações modernas que aplicam Gogue e Magogue a eventos geopolíticos contemporâneos, João, em Apocalipse, aplica essa profecia a dois momentos escatológicos distintos:
- Durante a segunda vinda de Cristo (Apocalipse 19).
- Após o milênio, no juízo final (Apocalipse 20).
Em Ezequiel 39:4 e 20, os cadáveres dos exércitos inimigos são dados como refeição sacrificial, o que encontra paralelo em Apocalipse 19:17-18, no contexto da volta de Jesus.
Além disso, Ezequiel descreve um exército gigantesco vindo do norte para cercar Israel. Apocalipse 20:7-9 retoma essa imagem e a aplica ao exército dos ímpios liderado por Satanás após os mil anos, que se levantarão contra a Nova Jerusalém. O texto diz: “Quando, porém, se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá a seduzir as nações dos quatro cantos da Terra — Gogue e Magogue — a fim de reuni-las para a batalha. O número delas é como a areia do mar” (Ap 20:7-8).
Em Ezequiel 38:16 lemos: “Subirás contra o meu povo, como nuvem a cobrir a terra.” João ecoa isso em Apocalipse 20:9: “Marcharam pela superfície da terra e cercaram o acampamento dos santos e a cidade amada. Mas desceu fogo do céu e os consumiu.”
Portanto, a profecia de Ezequiel, segundo João, tem seu cumprimento pleno na escatologia final, especialmente após o milênio, e não em conflitos modernos entre nações atuais.
A interpretação inspirada deve ter prioridade
Devemos considerar seriamente que João era inspirado pelo Espírito Santo. E se ele interpretou Gogue e Magogue como símbolos do último levante das forças do mal no fim dos tempos, então essa deve ser a nossa base interpretativa.
Sei que há tentativas legítimas de aplicar Ezequiel 38 e 39 à luta espiritual de Cristo e da Igreja, e respeito essas abordagens. Contudo, prefiro me manter firme à interpretação mais clara e segura apresentada no Apocalipse — especialmente nos capítulos 19 e 20.
Um apelo aos cristãos: Foquem na Nova Jerusalém
Gostaria de encerrar com um apelo sincero aos nossos irmãos evangélicos: mesmo que Deus tenha planos para alcançar os judeus com o evangelho, não devemos fazer da Jerusalém atual o centro da profecia.
Os profetas inspirados focaram na Jerusalém celestial. Hebreus 11:10, 13-16 diz que Abraão e os heróis da fé esperavam uma cidade com fundamentos eternos, a pátria celestial. Essa promessa é coletiva e será cumprida na Nova Jerusalém, como ensina Hebreus 11:39-40.
Paulo e João também apontaram para essa Jerusalém do Alto. Em Apocalipse 21:2-3, vemos a cidade santa descendo dos céus, como uma noiva adornada para o seu esposo — a habitação eterna de Deus com seu povo.
Portanto, não trate Israel como o “relógio profético de Deus”. As promessas não cumpridas ao Israel terreno por causa da infidelidade serão cumpridas de maneira mais ampla no Israel espiritual, como afirma Gálatas 6:16, que chama a Igreja de “o Israel de Deus”.
Conclusão
Se queremos entender corretamente Ezequiel 38 e 39, devemos seguir o princípio da interpretação bíblica inspirada. O apóstolo João aplicou essa profecia ao fim do milênio, quando os ímpios serão destruídos definitivamente, e não ao nosso presente.
Evite especulações apressadas. Reveja os textos. Observe os paralelos. E conclua com convicção: se João viu o cumprimento de Gogue e Magogue no juízo final, devemos fazer o mesmo.
Que o Espírito Santo nos guie à verdade e nos prepare para a Nova Jerusalém. Amém.