
No Novo Testamento, no capítulo 4 do Evangelho segundo João, encontramos uma das histórias mais extraordinárias da Bíblia: o encontro da mulher samaritana com Jesus. Esse relato, que poderia facilmente ser um daqueles momentos que passam despercebidos no cotidiano, está repleto de significado para nossa vida espiritual.
Jesus quebra todas as convenções sociais da época ao pedir água à mulher samaritana. Ele não se deixa limitar pelas barreiras culturais e religiosas que existiam entre judeus e samaritanos. A partir desse pedido de água, um diálogo profundo e revelador se desenrola. Jesus fala sobre uma “água viva” que sacia a sede de forma definitiva, e a mulher, intrigada e tocada por suas palavras, começa a compreender que está diante de alguém extraordinário.
Vamos, então, meditar no que Jesus disse nessa história e permitir que ele nos transforme, assim como fez com aquela mulher junto ao poço, há tantos séculos. Vejamos, então, o que diz João 4:1-11:
1 Quando, pois, o Senhor veio a saber que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João
2 (se bem que Jesus mesmo não batizava, e sim os seus discípulos),
3 deixou a Judeia, retirando-se outra vez para a Galileia.
4 E era-lhe necessário atravessar a província de Samaria.
5 Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José.
6 Estava ali a fonte de Jacó. Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte, por volta da hora sexta.
7 Nisto, veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber.
8 Pois seus discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos.
9 Então, lhe disse a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos )?
10 Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.
11 Respondeu-lhe ela: Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva?
Este momento histórico foi fantástico. João foi o único evangelista a registrá-lo. No início da narrativa, ele mencionou que era necessário que Jesus passasse por Samaria. Mas por que isso era necessário? Naquela época, judeus e samaritanos se odiavam. Eles percorriam longas distâncias em suas viagens para evitar passar por terras samaritanas. Sendo assim, por que João afirmou que era necessário que Jesus passasse por Samaria? Porque lá havia pessoas que precisavam ser salvas. E, como mencionei, Jesus não compartilhava dos preconceitos dos judeus.
Como vimos no versículo 7, Jesus estava com seus discípulos, mas eles o haviam deixado à beira do poço de Jacó enquanto foram à cidade comprar alimentos. Enquanto Jesus aguardava o regresso dos discípulos, apareceu uma mulher samaritana para tirar água. João diz que era por volta da hora sexta, o que equivale ao meio-dia para nós, o horário mais quente do dia. Mas por quê? Talvez porque ela não queria se encontrar com ninguém. Ela não possuía uma boa reputação na cidade. E, como sempre fazia, mais uma vez chegou ao poço e, após encher o seu cântaro, estava pronta para ir embora; provavelmente ignorando a presença de um homem judeu que ali estava, Jesus.
Entretanto, para alcançar mais este coração, Cristo quebrou todas as barreiras culturais existentes. Ele pediu à mulher samaritana água para beber. Isso provocou espanto na mulher, e ela então disse: “Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se dão com os samaritanos)” (Jo. 4:9). A intriga entre judeus e samaritanos existia há mais de 400 anos nos dias de Cristo.
A desavença entre judeus e samaritanos
Mas qual foi o motivo que fez essa desavença durar tanto tempo? A razão teve a ver com a reconstrução do templo em Jerusalém após o cativeiro babilônico. Os samaritanos se ofereceram para ajudar na reconstrução, mas os judeus não aceitaram a ajuda. Os samaritanos ficaram magoados e foram até o monte Gerizim, onde construíram seu próprio templo. Isso intensificou ainda mais a desavença, pois os judeus afirmavam que Deus só podia ser verdadeiramente adorado no templo de Jerusalém, enquanto os samaritanos, ao contrário, diziam que os judeus estavam errados e que a verdadeira adoração só podia ser realizada no templo de Gerizim.
Além disso, outro evento piorou ainda mais a relação crítica entre judeus e samaritanos. No ano 128 a.C., um judeu chamado João Hircano I, também conhecido como Simeão, o Justo, foi ao Monte Gerizim e destruiu o templo dos samaritanos.1 No entanto, os samaritanos continuaram a utilizar o monte como local de sacrifício e adoração.
A mensagem de Jesus para a mulher samaritana
Jesus, contudo, veio desfazer as desavenças e trazer paz aos corações. Aquela mulher, com expressão de espanto no rosto, ouviu Jesus dizer algo muito interessante: “Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4:10). É interessante notar que, no Oriente Médio, a água era conhecida como um dom de Deus, e Jesus diz para essa mulher que, se ela conhecesse o dom de Deus, seria ela quem estaria lhe pedindo água. Mas Jesus não estava falando da água daquele poço; ele estava falando da água espiritual que ele pode dar e que, quando a pessoa bebe dessa água, sua sede é saciada.
A princípio, a mulher não entendeu muito bem as palavras de Cristo. Ela então disse para Jesus que ele não tinha uma vasilha para tirar a água e que o poço era fundo. Jesus, mais uma vez, afirmou que, se ela bebesse da água que ele poderia dar, nunca mais teria sede (Jo 4:14). Jesus suscitou o interesse dessa mulher pela água e, agora, precisava criar nela a convicção de sua pecaminosidade e do quanto ela precisava de um Salvador. Cristo foi direto ao ponto e disse: “Vai, chama teu marido e vem cá” (Jo 4:16).
Ela respondeu dizendo que não tinha marido, mas essa não era toda a verdade. Então Jesus lhe disse: “Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade” (Jo 4:17-18). Quando Cristo disse estas palavras, ela percebeu que alguém sobre-humano estava lendo a sua vida como as páginas de um livro. “Senhor”, disse-lhe a mulher, “vejo que tu és profeta” (Jo 4:19).
As palavras de Jesus despertaram esperança naquela mulher; ela acreditou que Cristo fosse um profeta. Aproveitou, então, para tirar uma grande dúvida: quem está certo, os judeus que adoram no Monte Sião ou nós que adoramos no Monte Gerizim? Então, Jesus respondeu: “Podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4:21). “…vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4:23).
A mulher, então, disse: “Eu sei que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas” (Jo 4:25). Nesse verso, ela revelou claramente sua expectativa messiânica; ela também aguardava um libertador. Então, Jesus disse claramente: “Eu o sou, eu que falo contigo” (Jo 4:26). Ou seja, eu sou o Messias que você estava aguardando. E ela ficou tão impressionada com a revelação que esqueceu o cântaro cheio de água que viera buscar e correu à cidade, dizendo aos habitantes: “Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Não será este, porventura, o Cristo?” (Jo 4:29).
Perceba a relação de amizade que se estabeleceu nessa conversa. Quando lemos João 4, a princípio, Jesus era, para essa mulher, apenas um desprezível judeu. Depois, ela o chama de Senhor. Finalmente, ela pergunta se ele é um profeta e, por fim, reconhece que ele é o Messias. E assim acontece com nossa experiência religiosa: precisamos aprofundar nossa caminhada com Cristo a cada dia, conhecê-lo melhor.
A escolha divina e a nossa resposta
Esta mulher, ao beber da água que Cristo oferece (a verdade divina que nos liberta e nos salva), logo resolveu partilhar com os amigos. Foi para sua cidade e contou a todos o que havia visto e ouvido. Muitos voltaram com ela para ouvir as palavras de Jesus, e assim começou uma comunidade cristã ali, naquela cidade de Samaria. É extraordinário como Deus pode pegar uma pessoa com vários problemas e fazer dela um porta-voz, um missionário.
Um último detalhe que precisamos levar em conta é que João disse que essa mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade chamar os amigos. A exemplo da mulher samaritana, o que você precisa hoje deixar aos pés de Cristo? Ela deixou o cântaro da sua insignificância, da sua vida de pecado, para se tornar uma discípula, uma seguidora de Cristo. O que você precisa hoje deixar aos pés de Cristo para ser um verdadeiro discípulo, uma verdadeira discípula?
Lembre-se, não somos nós quem escolhemos a ele; é ele quem nos escolheu, é ele quem marcou o encontro, é ele quem vem para nos buscar. E qual será a nossa resposta hoje? Como aquela mulher, diremos sim para a salvação pela graça que Deus oferece? Receberemos desta água e a partilharemos com outras pessoas? Espero que sim! Espero que essa seja a sua atitude hoje, porque este é o Cristo que sempre vem. Que sempre vem para nos salvar.
1 Fonte: Destruição do templo de Gerizim