O que significam as almas debaixo do altar? Apocalipse 6:9-11

Faixa de seção
O que significam as almas debaixo do altar Apocalipse 6:9-11

Introdução

O que significam as almas debaixo do altar? No fascinante livro do Apocalipse, encontramos uma passagem que, há muito tempo, tem suscitado debates intensos entre os que acreditam na imortalidade da alma e aqueles que defendem a ideia do sono da alma, ou seja, que na morte não há consciência alguma e que, ao falecer, a pessoa deixa de existir.

O tema gira em torno das almas que estão “debaixo do altar”, clamando a Deus por justiça e livramento, conforme descrito em Apocalipse 6:9-11. Mas como devemos interpretar essa visão? Realmente existem almas desencarnadas, amontoadas no céu, aguardando um desfecho justo? Ou seria essa imagem uma figura de linguagem rica em simbolismo? Hoje, vamos nos aprofundar nessas questões e buscar desvendar o significado por trás desse enigmático texto.

As almas que clamam debaixo do altar

Apocalipse 6:9-11 diz o seguinte: “Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram.”

Pois bem, como podemos entender esse texto? Será que realmente existem almas debaixo de um altar em algum lugar do céu, clamando a Deus por vingança? Muitos acreditam que sim, afirmando que o importante é interpretar o texto de forma literal, sem buscar contexto ou interpretação.

No entanto, se ignorarmos o contexto bíblico e tomarmos os versos isoladamente, sem compará-los com outras passagens ou contextualizá-los, podemos chegar a qualquer conclusão que desejarmos. Esse é o motivo pelo qual existem tantas teorias contraditórias sobre temas bíblicos.

Por exemplo, se ignorarmos completamente o contexto histórico da passagem, como devemos interpretar o texto de 1 Coríntios 14:34-35, que proíbe as mulheres de falarem na igreja? Devemos realmente impedir as pregadoras de subirem ao púlpito? E quanto à declaração de Cristo em Mateus 5:29-30, que diz que, se a sua mão te faz pecar, corte-a, e se o teu olho te faz pecar, arranque-o? E aí, quem está disposto a cortar as mãos ou arrancar os olhos? Acredito que ninguém esteja.

Portanto, é evidente que devemos considerar o contexto em que o texto foi escrito para compreender seu verdadeiro significado. Isso de forma alguma diminui o valor da Bíblia como a palavra de Deus. A Bíblia não apenas contém a palavra de Deus; ela é a palavra de Deus!

No entanto, essa palavra foi expressa dentro de um contexto histórico e linguístico de milênios atrás. A Bíblia foi escrita em hebraico, aramaico e grego, não em português. Por isso, a contextualização é essencial para entender o sentido original que os autores bíblicos pretendiam transmitir.

E é exatamente isso que faremos com o texto de Apocalipse 6:9-11.

Após a morte a alma do crente vai mesmo para o céu?

Para muitos, Apocalipse 6:9-11 é uma das grandes provas de que, quando um crente morre, sua alma vai diretamente para o céu, para estar com Deus. No entanto, acreditar nisso traz uma série de problemas teológicos em relação a outras passagens bíblicas.

Pense bem: se a alma já está com Deus, qual seria o propósito da ressurreiç ão da carne, mencionada por Paulo em 1 Coríntios 15, na qual os ressuscitados terão corpos físicos? Se após a morte a pessoa já vai para o céu, viver na glória do Pai, a volta de Jesus, na qual Ele ressuscitará os mortos para que então possam ir ao céu (1 Tessalonicenses 4:13-18), pareceria uma contradição gigantesca. E a Bíblia, meu querido amigo, não pode se contradizer.

Além disso, se as almas estão no céu, diante do Senhor, e mesmo assim continuam clamando por justiça, que tipo de paraíso seria esse? Como poderia haver angústia no paraíso, a ponto de essas almas ainda clamarem por vingança? Não parece estranho para você?

Por isso, em vez de simplesmente ler o texto literalmente e aceitar qualquer ideia que venha à mente, vamos examinar a passagem corretamente, recorrendo a outros textos que tratam do assunto. Lembre-se: a Bíblia jamais se contradiz, pois é a palavra de Deus, que é onisciente.

Primeiro, vamos considerar o que está escrito em Deuteronômio 18:9-12: “Quando entrares na terra que o Senhor, teu Deus, te der, não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles povos. Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor; e por estas abominações o Senhor, teu Deus, os lança de diante de ti.”

Perceba que Deus abomina quem consulta os mortos! Dessa forma, seria uma incoerência e até mesmo uma hipocrisia se Ele tivesse proibido os hebreus de consultarem e se comunicarem com os mortos, e em Apocalipse tivesse mostrado a João uma visão dos mortos se comunicando com ele, pedindo vingança.

Outra passagem importante está em Levítico 19:31, que diz: “Não vos voltareis para os necromantes, nem para os adivinhos; não os procureis para serdes contaminados por eles. Eu sou o Senhor, vosso Deus.” Necromantes são aqueles que têm qualquer contato com os mortos, no “mundo do além”. Se João tivesse realmente tido contato com mortos, como aparenta ser em Apocalipse 6:9-11, isso o tornaria um necromante. E como vimos, isso é abominação para Deus.

Em Isaías 8:19-21 lemos: “Quando vos disserem: Consultai os necromantes e os adivinhos, que chilreiam e murmuram, acaso, não consultará o povo ao seu Deus? A favor dos vivos se consultarão os mortos? À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva.”

Portanto, Deus deixou claro que jamais deveria haver, entre Seu povo, qualquer tipo de médium ou pessoa que consultasse os mortos ou tivesse contato com eles — uma prática comum entre os babilônios. Sendo assim, a resposta é não! Não existem “almas conscientes” de mortos no céu. Esse não é o significado de “alma” na Bíblia.

Continue lendo para entender mais.

Compreendendo o contexto das “almas que clamam”

Agora que compreendemos biblicamente que Deus abomina o contato com os mortos ou práticas semelhantes, o que exatamente foi mostrado a João em sua visão? Para responder a essa pergunta, é fundamental recorrermos ao contexto — aquela ferramenta muitas vezes subestimada por alguns.

Existem diversas categorias na Bíblia que devemos considerar, e uma delas é a “expressão idiomática”. Algumas palavras no idioma original possuem um significado muito mais amplo ou específico do que em nossa língua. Em português, por exemplo, a palavra “manga” pode se referir tanto à fruta quanto a uma parte do vestuário ou mesmo a um tipo de chuva passageira. Em algumas regiões, é comum ouvir a expressão: “Lá vem uma manga de chuva!”. Por isso, a palavra “manga” necessita de um contexto para que possamos entender a que ela se refere.

Ao analisarmos os idiomas originais em que a Bíblia foi escrita, percebemos que o significado de “alma” difere bastante do que muitos entendem hoje. A palavra hebraica para “alma”, usada no Antigo Testamento, é “nefesh”. Assim como a palavra “manga” em português, que pode ter vários significados, “nefesh” também possui diferentes conotações, mas nenhuma delas se refere a um espírito consciente que vive fora do corpo após a morte.

Dependendo do contexto, “nefesh” pode significar vida, sangue, respiração, mente ou até mesmo a pessoa como um todo. Em Gênesis 2:7, lemos: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma [nefesh] vivente.” Em outras palavras, nós não temos uma alma, nós somos uma alma. E não, essa interpretação não é exclusiva dos adventistas; muitos teólogos de outras denominações também concordam com essa visão sobre a alma.

Em Levítico 17:14, lemos: “Portanto, a vida de toda carne é o seu sangue; por isso, tenho dito aos filhos de Israel: não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a vida de toda carne é o seu sangue; qualquer que o comer será eliminado”. No hebraico, a palavra para “vida” é “alma” (nefesh).

Portanto, ao dizer que a alma (nefesh) é o sangue, ou seja, que a alma é a vida do ser e não um “fantasma” que sai do corpo na hora da morte, a Bíblia nos dá uma importante pista sobre o que significam as “almas debaixo do altar” em Apocalipse.

Além de Levítico, Deuteronômio 12:23 ensina a mesma coisa: “Somente empenha-te em não comeres o sangue, pois o sangue é a vida; pelo que não comerás a vida com a carne”. Esse texto faz referência a Gênesis 9:4: “Carne [bashar], porém, com sua vida [nefesh], isto é, com seu sangue, não comereis”.

Ficou claro? Então, para resumir: a Bíblia nos ensina que o sangue é a vida, e no idioma original, essa vida é chamada de “nefesh” (alma). Agora que entendemos que “alma” (nefesh em hebraico) significa vida ou sangue—termos que, no contexto bíblico, são sinônimos de alma—compreender Apocalipse 6:9-11 torna-se muito mais fácil.

O “sangue que clama” e o uso de prosopopeia

Outra coisa interessante que aprendemos sobre a forma como os judeus compreendiam a alma é que eles tinham uma expressão idiomática ligada à crença hebraica — registrada também em enciclopédias judaicas — de que, se o sangue fosse coberto com terra, tudo a respeito daquela pessoa seria esquecido. Um exemplo disso pode ser visto em Jó 16:18, que diz: “Ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que se oculte o meu clamor”.

Observe que Jó está falando de forma poética, e isso é importante: “Ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que se oculte o meu clamor”. Esse texto é muito semelhante a passagem sobre as almas debaixo do altar em Apocalipse.

Isaías 26:21 também menciona algo similar: “A terra também revelará o seu sangue e não encobrirá os seus mortos”. Ezequiel 24:7 fala de maneira semelhante, e há também uma alusão a isso em Hebreus 12:24, que diz: “O sangue da aspersão que fala melhor do que o de Abel”. Assim, mais uma vez, vemos que o “sangue que fala”, a “vida” e a “alma” são palavras sinônimas na mentalidade dos hebreus.

Com isso em mente, é preciso considerar a importância dessas expressões na interpretação bíblica.

Outra coisa importante no texto bíblico é o uso da prosopopeia. Mas o que significa essa palavra? “Prosopopeia” vem do grego “prósopon”, que significa “face”, “pessoa” ou “rosto”. A prosopopeia ocorre quando atribuímos fala e personalidade a objetos inanimados. Em outras palavras, é quando damos voz ou emoções a coisas que, naturalmente, não as possuem.

Por exemplo, se eu dissesse “meu coração pula de alegria”, estaria atribuindo ao coração a ação de pular de alegria, como se fosse uma criança. Isso é uma prosopopeia. Quando Jesus disse: “Se eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (Lucas 19:40), temos um exemplo claro de prosopopeia, pois pedras não clamam.

Outro exemplo está em Jó 38:7: “Quando as estrelas da alva juntas cantavam”. Estrelas não cantam; aqui temos outra prosopopeia. Em Lamentações 2:8, lemos que “os muros de Jerusalém se angustiaram”. Muros não sentem angústia, assim como cidades ou paredes não têm emoções. A Bíblia está repleta de expressões como essas, inclusive no Apocalipse.

Em Apocalipse 20:13-14, encontramos um exemplo significativo: “O mar entregou os mortos que nele estavam, e a morte e o inferno entregaram os mortos que neles havia; e foram julgados, cada um segundo as suas obras. Então, a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo.”

Um leitor desavisado poderia pensar que a morte e o inferno são pessoas que receberão o juízo de Deus e serão lançadas no lago de fogo. No entanto, esse não é o sentido do texto. João usou uma prosopopeia. O mar, a morte e o inferno são apresentados de forma figurativa, como personagens em uma narrativa, mas, obviamente, não são pessoas literais. Cometeríamos um erro grave se interpretássemos essas passagens de forma literal.

O significado das “almas que clamam” debaixo do altar

Ao analisarmos a passagem das almas debaixo do altar em Apocalipse 6, em comparação com outros textos que utilizam linguagem semelhante, percebemos claramente que João fez uso de uma prosopopeia. Quando ele afirma que viu, em visão, “as almas dos santos clamando debaixo do altar”, ele está se referindo, de forma simbólica, à vida ou ao sangue dos santos clamando por justiça.

É importante lembrar que a palavra “alma” (nefesh) em hebraico pode significar tanto vida quanto sangue. Embora João tenha escrito em grego, ele tinha uma mentalidade hebraica, o que é reconhecido pelos especialistas do Novo Testamento como “hebraísmo” — uma forma de expressão que, mesmo em grego, carrega o pano de fundo da cultura e linguagem hebraicas.

Portanto, João está se expressando simbolicamente por meio de uma prosopopeia. Mas por quê? Por que João utilizou essa figura de linguagem? Para entender isso, precisamos considerar a doutrina do santuário no Antigo Testamento.

No ritual do santuário, como descrito no Antigo Testamento, havia vários elementos importantes: a tenda, o lugar santíssimo, a pia de bronze, e, na frente, o altar de sacrifício. Todos os dias, quando um sacrifício era oferecido no altar, parte do sangue do animal era derramado na base do altar de sacrifício.

Vejamos o que diz Levítico 4:7: “O sacerdote também colocará um pouco daquele sangue sobre os chifres do altar de incenso aromático diante do Senhor, o altar que está na tenda do encontro, e o restante do sangue do novilho ele derramará na base do altar de sacrifício que está à porta da tenda do encontro.”

Em Apocalipse 6, João vê esses mesmos elementos, mas de maneira simbólica. No santuário celestial, ele enxerga as “almas”, ou seja, o sangue (nefesh) dos santos clamando debaixo do altar: “Até quando, ó soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”

Esse sangue clamando é uma expressão simbólica, semelhante àquela usada por Jó quando ele disse: “Ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que se oculte o meu clamor.” É também similar ao relato de Gênesis 4:10: “E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim.” Em todos esses versículos, vemos o uso da prosopopeia. O sangue de Abel não estava literalmente gritando “Vingança, vingança!” O “sangue clamando por justiça” é uma figura de linguagem que Deus usou para comunicar a Caim que ele não ficaria impune por ter matado seu próprio irmão.

É interessante notar que a simbologia da “voz do sangue” na história de Abel foi transportada por Deus para o ritual do santuário, onde o sacerdote derramava o sangue da vítima na base do altar. Essa imagem foi novamente levada para o Apocalipse, quando João vê na base do altar o sangue, a vida dos mártires, “clamando por justiça” diante do Senhor.

Esse é o verdadeiro significado do texto de Apocalipse 6:9-11. Não se trata de almas literalmente debaixo de um altar clamando por justiça e vingança, o que seria uma imagem estranha até mesmo para aqueles que acreditam na imortalidade da alma. Trata-se, na verdade, de uma figura de linguagem que expressa a justiça que os mártires aguardam. Deus jamais se esqueceu deles e fará justiça!

Por fim, em minha opinião sobre Apocalipse 6:9-11, acredito que o texto se aplica não só aos que já foram martirizados por amor ao evangelho, mas também àqueles que ainda estão sendo martirizados. É o que acontece em países tão hostis ao cristianismo como Afeganistão, China, Irã, e outros. De forma simbólica, o sangue deles clama a Deus por justiça, e Ele justiça fará. Ore a Deus em favor daqueles que pregam o evangelho nesses lugares!


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Amós Bailiot

Sou um estudante de História na Universidade Estácio de Sá e um entusiasta em Teologia. Acredito que o conhecimento é valioso apenas quando compartilhado. É por isso que estou aqui, disposto a compartilhar minhas reflexões teológicas. Junte-se a mim nessa jornada!

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Amós Bailiot

Graduando em História pela Universidade Estácio de Sá e estudioso de Teologia, defende a premissa de que o conhecimento se torna verdadeiramente valioso quando compartilhado. Junte-se a mim nessa jornada!

4 comentários

  1. Sem dúvida, foi um dos melhores texto que já li a respeito desse tema! Parabéns meu querido amigo e irmão! As suas postagem tem características teológicas incríveis. Que Deus te use cada dia mais em sua obra!

  2. Um texto excepcional! O melhor que já li a respeito das almas que clamam debaixo do altar!
    Seria ótimo que os imortalistas o lessem, para abandonarem de vez a ideia pagã da imortalidade das almas!

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