
Introdução
Uma das doutrinas mais prejudiciais para o vigor espiritual da igreja cristã é a crença de que os dons espirituais cessaram com os apóstolos. Tal ideia, conhecida como cessacionismo, nega a continuidade dos dons descritos nas Escrituras, especialmente o dom de profecia.
Embora essa doutrina encontre eco em alguns círculos teológicos, ela carece de base bíblica sólida e é, na prática, um silenciador da ação do Espírito Santo na vida da igreja. É preciso dizer com clareza: os dons espirituais não cessaram. Negá-los é amputar a igreja de ferramentas que Deus mesmo concedeu para sua edificação, unidade e missão.
O que é um profeta de verdade?
Antes de desmontar a ideia do cessacionismo, é necessário esclarecer uma confusão comum: o que realmente é um profeta? Um profeta verdadeiro não é um místico de palco, um adivinho de CPF ou um “revelador” de placas de carro. Profecia não é um espetáculo de manipulação emocional, nem uma ferramenta para controle religioso.
Profeta, nas Escrituras, é aquele que fala em nome de Deus com autoridade e fidelidade, apontando para a verdade, denunciando o erro e conduzindo o povo ao arrependimento e à obediência. Não se trata apenas de alguém que prediz o futuro, mas de alguém que transmite a mensagem divina com clareza, coragem e submissão à vontade de Deus.
Em essência, o profeta é a boca de Deus em meio a um povo que frequentemente se desvia da Sua palavra. Jeremias, Isaías, João Batista e até mesmo Jesus exerceram essa função profética — não no sentido teatral que muitos se apropriaram hoje, mas no sentido profundo de chamar o povo de volta à aliança.
A Bíblia refuta o cessacionismo
A Escritura é o nosso critério último. Se quisermos saber se os dons cessaram, precisamos perguntar ao texto bíblico e deixar de lado o “eu acho” ou “na minha opinião é assim”. A minha e a sua opinião não têm valor algum quando se trata da Palavra de Deus. Devemos aceitar, acreditar e obedecer ao que Ele diz, e parar de teimar com Aquele que é onisciente, como se soubéssemos mais do que Ele. Sobre esse tema, portanto — os dons — a Bíblia não deixa margem para dúvidas.
Em 1 Coríntios 13:8-10, Paulo afirma: “O amor jamais acaba; havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará. Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.”
Note o argumento: Paulo reconhece que os dons são temporários, mas até que “venha o que é perfeito”. A pergunta, então, é: o que é o perfeito? Seria a conclusão do cânon bíblico? A formação do Novo Testamento? A história da igreja não dá apoio a essa interpretação. O contexto de 1 Coríntios 13 deixa claro: o perfeito é a plenitude da presença de Cristo, quando O veremos face a face (v.12). Em outras palavras, os dons espirituais permanecerão até a volta gloriosa de Jesus. Até lá, eles são necessários para nos preparar para esse encontro.
Paulo não apenas afirma a permanência dos dons, como também encoraja a igreja a buscá-los com diligência: “Segui o amor e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar” (1 Coríntios 14:1).
Se os dons estavam prestes a desaparecer, por que o apóstolo dos gentios, movido pelo Espírito Santo, ordenaria que os crentes os buscassem com tanto zelo? A lógica do cessacionismo falha nesse ponto. A Bíblia não diz que os dons cessariam com os apóstolos — ela diz exatamente o oposto: que deveríamos buscá-los.
Os dons para os últimos dias
Além disso, em Atos 2:17-18, Pedro, citando o profeta Joel, anuncia algo ainda mais surpreendente: “E acontecerá nos últimos dias, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; os vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e sonharão os vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão.”
A profecia bíblica não limita os dons ao passado, mas os expande para o futuro — para os “últimos dias”. E se ainda estamos nesses dias que antecedem o retorno de Cristo, então esse derramamento continua válido. Deus prometeu levantar profetas. Não nos cabe dizer que Ele não o fará.
Como identificar um profeta verdadeiro?
Deus não nos deixou no escuro. A Bíblia nos apresenta critérios para reconhecermos um profeta genuíno — e um verdadeiro profeta precisa ser aprovado em todos eles. Veja alguns dos testes bíblicos:
- Fala segundo a Lei e o Testemunho (Isaías 8:20) – Ou seja, suas palavras e atos estão em conformidade com as Escrituras, sendo obediente à Lei de Deus e guiando o povo nesse mesmo caminho. Você talvez já tenha ouvido dizer que a Lei de Deus, os Dez Mandamentos, foi abolida, não é mesmo? Isso não é verdade. E quem se diz profeta e fala uma coisa dessas já reprovou no primeiro teste.
- Exalta Cristo – O centro de sua mensagem é Jesus, e não ele mesmo (João 16:13-14).
- Pelos seus frutos os conhecereis (Mateus 7:15-20) – A vida do profeta também testifica da sua autenticidade. Portanto, o verdadeiro profeta revela em sua vida todos os frutos do Espírito descritos em Gálatas 5:22-23.
- Suas mensagens se cumprem no tempo determinado, quando aplicável (Deuteronômio 18:22) – Embora nem toda profecia envolva previsão futura, quando o faz, ela se cumpre. E, como mencionei acima, a previsão que um profeta faz nada tem a ver com essa balbúrdia que vemos por aí.
- Manifesta sinais sobrenaturais em visão, como a suspensão da respiração (Daniel 10:17) – Quando em visão, o verdadeiro profeta pode experimentar fenômenos sobrenaturais que fogem ao normal, como, por exemplo, deixar de respirar por longos períodos e ainda assim permanecer consciente, lúcido e ativo. Isso não é invenção humana; está nas Escrituras. Daniel, ao relatar sua experiência profética, declarou: “Como, pois, pode o servo do meu senhor falar com o meu senhor? Porque, quanto a mim, não me resta já força alguma, nem fôlego ficou em mim” (Daniel 10:17). Um fenômeno impossível à natureza humana, mas não ao poder de Deus. Esse é mais um sinal de que a experiência profética verdadeira é marcada pela intervenção divina, e não por manipulações emocionais ou sensacionalismo barato.
Esses critérios nos ajudam a distinguir entre a verdade e a ilusão, entre o genuíno e o farsante, entre o profeta de Deus e o manipulador de palanque.
A necessidade dos dons hoje
Em um mundo fragmentado, onde a mentira ganha espaço até nos púlpitos, os dons espirituais são mais necessários do que nunca. A igreja sem dons é uma igreja enfraquecida, desarmada, carente de discernimento. O Espírito Santo continua operando, guiando, ensinando, curando, exortando, por meio dos dons. E quando tentamos restringir isso com base em argumentos frágeis e extrapolações teológicas, nos colocamos contra a vontade do próprio Deus.
O dom de profecia, em especial, é indispensável, pois ele corrige o curso da igreja quando esta se desvia. Os profetas foram levantados em tempos de crise espiritual — e há alguma dúvida de que estamos em um desses tempos?
Conclusão
A ideia de que os dons espirituais cessaram é insustentável à luz das Escrituras. O próprio texto bíblico afirma que eles permaneceriam “até que venha o que é perfeito”, o que só se cumprirá com o retorno glorioso de Cristo. Até lá, todos os dons do Espírito são necessários para o cumprimento da missão que o Senhor confiou à Sua Igreja. O Espírito Santo continua falando, dirigindo, exortando e consolando por meio de instrumentos humanos.
Não devemos confundir os falsos profetas de palco com os verdadeiros servos que Deus levanta para confrontar o pecado e proclamar a verdade. A presença dos falsários não invalida o dom — ao contrário, apenas confirma a veracidade da advertência de Cristo: “Muitos falsos profetas surgirão” (Mateus 24:11). E, se há falsos, é porque também há os verdadeiros.
Que possamos afinar nossos ouvidos à voz de Deus, discernir entre o genuíno e o espúrio, e permitir que o Espírito Santo nos use poderosamente na pregação do evangelho, com os dons que Ele soberanamente distribui àqueles que se colocam em Suas mãos.